A Europa cristã nos dias de hoje


27/08/2012

Mathias von Gersdorff

Balanço da situação atual do velho continente, com as imposições da União Europeia e o aumento de movimentos que promovem a cristianofobia.


Pilatos apresenta Jesus Cristo aos judeus que pediam sua condenação

Muitos teólogos afirmam que Nosso Senhor veio até nós num momento em que o mundo antigo não oferecia mais aos homens certezas, visões, esperanças ou perspectivas de futuro.

A luz da Antiguidade estava se extinguindo. O homem dessa mudança de época era cético, agnóstico, não acreditando em mais nada. “O que é a verdade?” — perguntou Pilatos a Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 18, 38). Antes o Salvador lhe dissera: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz” (Jo 18,37).

A partir da vinda do Messias, defrontam-se dois tipos de homens que encarnam duas épocas da humanidade: o velho homem, cujo estado de alma não tem mais acesso à verdade nem condições de reconhecer o que é a verdade, e o novo homem, renascido pela graça e que pode, seguindo a Cristo, conhecer a verdade.

A luz que antes iluminara o mundo antigo saiu de cena para dar lugar a uma outra luz: ao “lumen Christi”, à luz de Cristo. O que daí se seguiu, conhecemo-lo bem. Formou-se a Cristandade que construiu, especialmente na Europa, a civilização esplendorosa que tornou esse continente objeto de admiração e de inveja de muitos. Os europeus seguiram Aquele que é “a Verdade, o Caminho e a Vida” e tornaram-se destarte capazes de realizar obras que ultrapassaram de muito em grandeza, brilho e beleza às da Antiguidade pagã.

Contudo, dois mil anos depois do nascimento do divino Redentor, a Europa está apagando em si – consciente e livremente! – a luz de Cristo. O resultado disso no-lo mostra à saciedade a história do século XX: mortes, destruição, decadência da civilização. Os europeus, apesar das devastações das duas Guerras Mundiais, do nazismo e do comunismo, e, sobretudo, das advertências de Nossa Senhora em Fátima, não estão dispostos a se converterem e voltarem-se para Cristo e sua Igreja. Muito pelo contrário, levados por boa parte da mídia e das instituições políticas, tentam incessantemente apagar a luz de Cristo. Vamos aos fatos.

Pressões contra raízes cristãs da Europa: aborto

No dia 1º de dezembro de 2011, o Parlamento Europeu aprovou novamente uma resolução exigindo a introdução do aborto em toda a Europa. Segundo esse organismo, a “interrupção segura e legal da gravidez e o acompanhamento médico depois da interrupção da gravidez” devem ajudar combater a epidemia do AIDS! (Decisão P7_TA(2011)0544, § 22).

Não foi essa, porém, a primeira vez em que Parlamento Europeu aprovou resolução com tamanha ousadia anticristã no ano passado. No dia 8 de março, as fracções dos partidos de esquerda aprovaram uma resolução exigindo “o direito ao aborto”. Para o Parlamento Europeu, “as mulheres [...] [deveriam ter] o direito a uma interrupção segura da gravidez” (Resolução de 8 de março de 2011, Ponto 25).


Parlamento Europeu

O fato de o aborto ser ilegal em diversos países da Comunidade Europeia (na Alemanha, por exemplo) ou mesmo proibido (Polônia, Malta) é totalmente irrelevante para muitos parlamentares europeus. Sem embargo, eles exigem ininterruptamente a introdução do aborto ou do direito de abortar, querendo pela insistência cansar seus adversários, ou seja, a Igreja Católica e a generalidade dos cristãos europeus.

Pressões a favor do homossexualismo

Contudo, não é apenas o aborto um dos temas prediletos de muitos parlamentares europeus. Também os assim chamados direitos dos homossexuais — na realidade privilégios arbitrários — vêm sendo cada vez mais exigidos. Não surpreende quando se considera que, no início de sucessivas introduções de institutos legais para-familiares em diversas nações europeias, se encontra a decisão do Parlamento Europeu de 8 de fevereiro de 1994: “A igualdade de direitos de homossexuais e lésbicas na Comunidade Europeia”.

Houve a partir de então diversas resoluções do Parlamento ou disposições da Comissão Europeia referentes aos assim chamados “direitos” dos homossexuais. O último documento a tal respeito é a decisão de 1º de dezembro de 2011 em face do pedido da Croácia de integração na Comunidade Europeia (P7_TA(2011)0539). Nessa decisão, os parlamentares exigem que a Croácia “aceite e aplique imediatamente um plano de ação contra a homofobia”.

Tal decisão representa um descaramento sem nome: imiscuir-se deste modo em assuntos internos de uma nação soberana! Porém, não foi esta a primeira vez. Numa decisão de 18 de janeiro de 2006, junto ao antissemitismo e ao racismo, é mencionada a chamada “homofobia”, não claramente definida. Seguiu-se daí que qualquer crítica às exigências políticas da agenda homossexual é rotulada pela maior parte da mídia de “homofóbica”. Na resolução de 14 de janeiro de 2009 se exige a condenação daqueles dignitários religiosos, bem como personalidades da vida social e política, que incitarem ao ódio e à violência. A essa categoria pertencem — segundo declarações de políticos e organizações homossexuais — o Cardeal Joachim Meisner, Arcebispo de Colônia, ou mesmo o Papa Bento XVI. No dia 17 de setembro de 2009, o Parlamento Europeu chegou ao cúmulo de condenar a Lituânia, cujo Parlamento aprovara uma lei proibindo propaganda homossexual entre menores de idade.

Uma tal Europa não tem chances de sucesso autêntico. Numa Alocução ao novo embaixador austríaco, no dia 3 de fevereiro de 2011, o Papa Bento XVI disse: “A edificação da casa comum europeia só pode alcançar bom êxito, se este continente estiver consciente dos seus próprios fundamentos cristãos e se os valores do Evangelho, assim como da imagem cristã do homem, constituírem também no futuro o fermento da civilização europeia. A fé vivida em Cristo e o amor concreto pelo próximo, delineado segundo a palavra e a vida de Cristo e também segundo o exemplo dos santos, são mais importantes que a cultura ocidental cristã”.

“Teoria de gênero”: nova estratégia do feminismo

Atualmente assistimos exatamente ao contrário: à destruição das raízes cristãs da Europa. Não apenas pela exigência do aborto e de privilégios para homossexuais, mas também pela introdução da pseudo-ideologia da “teoria de gênero” (gender mainstreaming), uma ideologia segundo a qual o sexo biológico é meramente ocasional e a diferença entre homem e mulher é de natureza exclusivamente cultural. Desse modo, tornou-se corrente o feminismo radical do tipo da judia-canadense Shulamith Firestone (The dialectic of sex, 1970), coisa que ninguém julgaria possível algumas décadas atrás.

A Comunidade Europeia vem exigindo, desde 1993, medidas de implementação da “teoria de gênero” como condição para conceder recursos financeiros de seu Fundo Estrutural. O Conselho Europeu chamou a si o tema a partir de 1994. Na quarta Conferência Mundial das Mulheres das Nações Unidas, em Pequim, no ano de 1995, foi aprovada uma plataforma de ação, segundo a qual a “teoria de gênero” tornou-se uma nova estratégia mundial do feminismo. Logo depois, em fevereiro de 1996, a Comissão Europeia — e com ela a Comunidade Europeia — se comprometeu a assumir a estratégia da “teoria de gênero”, a qual experimenta, a partir de então, uma caminhada triunfal na Europa. Incorporada em 1999 pelo Tratado de Amsterdã, nos anos subsequentes essa teoria se tornou um elemento integrante de quase todos os campos políticos.

Educação sexual desagregadora

De outro lado, a família enquanto instituição vem sendo enfraquecida sistematicamente e seus direitos, reduzidos. Exemplo disso é a educação sexual nas escolas. A este respeito, afirmou o Papa em sua Alocução ao Corpo Diplomático de 10 de janeiro de 2011: “Não posso passar sem referir outra ameaça à liberdade religiosa das famílias nalguns países europeus, onde é imposta a participação em cursos de educação sexual ou cívica que propagam concepções da pessoa e da vida pretensamente neutras mas que, na realidade, refletem uma antropologia contrária à fé e à reta razão”.

Não há perspectivas de melhora. Os europeus vêm sendo desde há meses bombardeados diariamente com noticias sobre a crise do euro. Como isto vai terminar, ninguém pode dizer ainda com certeza. Contudo, uma coisa já é certa: haverá mais centralização na Europa. E isso significa não apenas menos direitos de soberania quanto à política fiscal e econômica, mas também mais pressão da Europa sobre os países que oferecerem resistência à política social liberal, como a Hungria, a Polônia, etc. Doravante serão cada vez menos tolerados aqueles que “saírem da fila”.

Novo presidente do Parlamento Europeu causa preocupação


Martin Schulz

Nesse sentido incluiu-se a eleição, em janeiro deste ano, de Martin Schulz para a Presidência do Parlamento Europeu. Um dos políticos mais esquerdistas da Europa, Schulz é líder do Partido Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. Sua eleição ocorreu exatamente no momento em que desejam conferir mais importância ao Parlamento Europeu. O diário “Frankfurt Allgemeine Zeitung” fala de uma “insurreição do Parlamento Europeu” a ser dirigida por Martin Schulz. O líder do Partido Social-Democrata da Alemanha, Sigmar Gabriel, exigiu um “novo” Parlamento Europeu – sob o comando de Martin Schulz — como contrapeso às duas outras grandes instituições: a Comissão Europeia e o Grupo dos Chefes de Estados e de Governos.

Reações salutares: motivos de esperança

A esperança é uma posição fundamental da mentalidade cristã. Por isso, não devemos cair no fatalismo, mas olhar para o futuro com confiança e sem otimismos tolos. E existem razões para tal. Uma das principais é o fato de que vai se formando na sociedade civil europeia uma opinião pública que não está mais disposta a tolerar tudo o que vem de Bruxelas; pelo contrário, reage vivamente. Isso é novo e auspicioso. Até bem pouco tempo atrás mal eram percebidos muitos dos descalabros aqui descritos.

Restando, portanto, muito que fazer, cumpre que as forças cristãs se manifestem ainda mais decididamente contra as tendências anticristãs da União Europeia, como o crescimento da péssima ideologia bem denominada de “cristianofobia”.

A própria crise do euro contribuiu para o declínio da atitude de “deixar para os de cima resolver”. Não será de futuro tão fácil para a Comissão ou para o Parlamento aprovar resoluções sem o crivo de uma análise crítica e atenta da opinião pública. Isso é salutar.

“Lumen Christi”

Contudo, nossa grande confiança reside n’Aquele sob cuja proteção os cristãos, desde há dois mil anos, sempre se fortaleceram: o Divino Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele próprio nos conclamou a agir e lutar para que sua luz, o “lumen Christi”, não se apague neste mundo. Ele não permitirá que tal aconteça e nos convoca a estarmos prontos para sermos instrumentos de sua obra de salvação. Voltemos, pois, a Ele nossos olhos confiantes e digamos-Lhe, através de sua e nossa Mãe Santíssima: Adveniat regnum tuum! Sim, venha a nós o vosso Reino também na Europa, que foi outrora o continente dos grandes gestos de fidelidade e de dedicação a Cristo, Rei do Universo.

Veja:
Revista Catolicismo

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