O sublime afeto, isento de sentimentalismo, que Maria Santíssima manifestou a seu Divino Filho


03/01/2011

Plinio Corrêa de Oliveira


A Natividade – Doménico Ghirlandaio, 1492. Museu do Vaticano

Para esta edição de Natal, escolhemos dentre diversas conferências do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira uma muito especial, proferida em 23-12-1988. Nela o orador desenvolve a temática natalina sob um aspecto pouco abordado: as manifestações de admiração e afeto da Santíssima Virgem, contemplando o Menino Jesus na pobre gruta de Belém, ao mesmo tempo que procurava vislumbrar como seria a vida de seu Divino Filho e a História da Humanidade em função d'Ele. Explicita ainda as características que deve ter um sincero pedido de perdão, como também as preces e os agradecimentos a serem apresentados pelos católicos junto ao Presépio na abençoada noite de Natal.

O texto foi extraído de gravação em fita magnética, sem revisão do autor. Apenas fizemos pequenas adaptações, transpondo a linguagem falada para a escrita e acrescentando os entretítulos.

A Direção de Catolicismo

Na época de Natal, é natural que nossas atenções estejam voltadas para a festa do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa foi a ocasião em que, no grau mais elevado, se manifestou o afeto de uma criatura para com Deus, seu Criador — o afeto daquela Mãe Celeste para com seu Filho único e incomparável.

Como Nossa Senhora é o modelo por excelência de humildade, pode-se dizer que Ela não se aproximou do Divino Salvador sem antes ter manifestado todo o respeito e toda a admiração que Ele merece. Enquanto criatura e obra-prima da Criação, Ela não poderia deixar de se colocar nessa posição humilde diante do Salvador. Estando tão infinitamente abaixo do Criador, embora seja a mais alta das criaturas, Ela se dirige a Nosso Senhor como se fosse a última das criaturas.

Imaginemos uma pessoa que pense estar mais próxima do Sol, por ser 10 centímetros mais alta que o comum dos homens. Não há seriedade nisso, pois 10 centímetros não são nada em relação à distância da Terra ao Sol. Sendo Deus infinito, até mesmo a distância tão grande que separa Nossa Senhora de nós é pequena diante da que a separa de Deus. De maneira que é compreensível a série de atos de humildade que Ela manifestou na presença do Divino Menino.

Humildade não voltada para si, mas teocêntrica


Tão frágil e pequenino, entretanto Ele era Deus na sua infinita grandeza, na sua admirabilidade incomensurável

A Virgem e o Menino com Santo Antonio de Pádua e São Nicolau de Tolentino — Matteo di Giovanni, 1430. Itália.

A manifestação d'Ela não foi de uma humildade egocêntrica, mas teocêntrica. Mais do que ter em vista sua condição limitada de criatura, Ela levou em consideração a grandeza infinita de Deus. Por isso, na gruta de Belém seus afetos começam por atos de admiração, manifestando tudo quanto Ela admirava em seu Divino Filho enquanto Homem-Deus.

Nisso há uma ordenação lógica. Quando amamos muito alguém, devemos começar por admirá-lo. Não como se admira um bonequinho, por exemplo, o que seria sentimentalismo, mas uma admiração que é fundamento do amor. Ela amou aquele recém-nascido, sabendo-o o mais admirável entre todas as criaturas, hipostaticamente unido à Santíssima Trindade.

Por revelação divina, Maria Santíssima sabia que o Filho gerado n'Ela era o Filho de Deus. Tão frágil e pequenino, entretanto Ele era Deus na sua infinita grandeza, na sua admirabilidade incomensurável. O primeiro pensamento d'Ela esteve voltado para o Ser Divino no que este tem de mais grandioso; em segundo lugar, seu pensamento voltou-se para o Menino. Entra então o afeto de Mãe, contemplando no olhar d'Ele o sol de Deus que aí se faz refletir. Nossa Senhora analisa o corpinho d'Ele, toca em seus braços e os sente frios. Manifesta-se assim a ternura da mãe.

Alguém poderia objetar que nesse momento a admiração desapareceu, manifestando Ela somente o afeto. Não é verdade, porque na hora em que a admiração morresse, o afeto desapareceria, da mesma forma que se extinguiria a admiração no momento em que morresse o afeto.

Admiração e afeto da mãe por seu filho

Quando a mãe comum dá à luz um filho, nasce ele tão engraçadinho que a genitora se enternece. No subconsciente da mãe verdadeiramente católica, passa-se o seguinte: Este recém-nascido é como um projeto de anjo. Quanta grandeza há em uma criatura humana ser chamada a uma longa vida, com seus graves deveres para com Deus; a ser um bom filho da Igreja Católica; a dominar suas paixões; a santificar-se e ir para o Céu por toda a eternidade. Que coisa extraordinária! Fico enternecida, vendo como tão grande chamado está contido neste pequenino que acaba de nascer!

Nesta consideração entra uma ternura muito grande, mas também grande admiração: Que mistério admirável, pelo qual eu, criatura humana, gerei outra criatura humana! Ela formou-se em meu seio, nasceu de mim, é alimentada por mim; eu a liberei para a vida, e está aqui tão pequenina. Mas para ela existir, realizou-se um imenso mistério!

Mistérios da infusão da alma por Deus

Quanto à Santíssima Mãe de Deus, de um lado podemos considerar o mistério belíssimo, incompreensível pela ciência; mas de outro lado podemos pensar na hora em que Deus, debruçando-se sobre aquele embrião, sopra nele uma alma, dando-lhe algo que a mãe não gerou, que não procede do ato nupcial, mas do Criador. Que coisa magnífica!

Na ternura de uma mãe verdadeira e bem orientada para com seu filho, aparece toda essa série de mistérios que se formaram nela. O nascimento de outra criatura que é carne de sua carne e sangue de seu sangue, um "outro eu mesmo", um outro ser sobre o qual Deus insuflou uma alma imortal. Ou seja, a obra de Deus somou-se à obra da mãe, para algo tão imensamente maior.

Essa vinculação da alma abre os horizontes para aquela criança. Horizontes de luta, abnegação, alegria, vitória. Mas também horizontes de tristeza, abatimento, desfalecimento, em que se tem que pedir graças a Deus para suportá-los.

Revela-se nisso outro aspecto do nascimento de uma simples criança. Para a Igreja, a vida de toda criatura é comparável à de um herói que se prepara com exercícios para a luta, a fim de capacitar-se para enfrentar e combater, de um herói que pega as armas e o escudo para entrar na arena da vida. Ela se encontra no início de uma imensa batalha, e assim a mãe poderia dizer a um filho: Batalhador, eu te admiro, porque és combatente do bom combate! Teu dever é este. Uma vez que recebas o batismo, a graça te chamará e começará uma vida sobrenatural em ti, mais ou menos como uma vela na qual alguém ateia fogo. Quanto irá tua alma iluminar? Que bem farás? Que glória darás a Deus?

Convívio com Nosso Senhor na sagrada casa de Nazaré


Afresco no Vaticano representando o traslado da Casa de Nazaré para Loreto

O Pe. Manoel Bernardes, escrevendo sobre Nossa Senhora como Mãe de Deus Encarnado, fez um jogo de palavras, dizendo que sobre a cruz de seus braços Ela deitará esse Menino, para que durma tranqüilamente até o momento de dormir nos braços de uma Cruz. São dois extremos, e a comparação é muito bela e tocante.

Neste Natal, quando formos reverenciar Nosso Senhor no presépio, podemos meditar nisso, refletir na história pessoal d'Ele: Nos 30 anos que passou recolhido na casa de Nossa Senhora; na assistência d'Ele e d'Ela por ocasião da morte de São José; na elevação das conversas, das trocas de pensamentos que mantinham quando estavam sozinhos; nas refeições muito sóbrias, mas prazerosas; na enorme felicidade de estarem juntos, se olharem e se quererem bem.

Meditar na sagrada casa de Nazaré, imaginar Nossa Senhora pensando no que deveria acontecer: Que em determinado momento os anjos haveriam de trasladar a casa santa e levá-la pelos ares, para não cair nas mãos dos maometanos; que seria colocada numa cidade chamada Loreto, na Itália; que um número incontável de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iria venerar ali as paredes santas onde ecoaram as conversas da Sagrada Família e os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; que nessa casa se teria ouvido a voz grave, paterna e afetuosa de São José, e a própria voz de Nossa Senhora, modelada quase ao infinito, exprimindo adoração e veneração em todos os seus graus, em todas as modalidades. Em tudo isso Ela pensava.

Reflexões sobre a vida pública do Divino Redentor

A Santíssima Virgem pensava nos lances da vida pública de seu Divino Filho, nos milagres que Ele operaria, nas almas que atrairia. Pensava em como tudo isto desfecharia, a partir do momento em que começaria a ser recusado pelos judeus, esquecido por seus próprios Apóstolos devido à sua moleza, e ainda na traição de Judas.

Depois Ela cogitava em Pentecostes, na dilatação da Igreja por toda a bacia do Mediterrâneo e pelos lugares misteriosos onde andariam os Apóstolos, enchendo a Terra com sua presença. Meditava na libertação da Igreja pelo imperador Constantino; na Igreja que brilharia em todo o mundo; na invasão e civilização dos bárbaros; e depois em São Bento, que em Subiaco se tornaria o patriarca do Ocidente e implantaria nova vida espiritual, da qual nasceria a Idade Média.

Ela terá lamentado que no final do período medieval, numa contestação à obra de São Bento, um pecado imenso se cometeria e teria início a Revolução, cujas ondas subiriam como injúrias atrozes: O Renascimento, o humanismo e o protestantismo, aos quais se seguiriam a Revolução Francesa, o comunismo e a revolução anarquista — enigmática, difícil de definir em seus verdadeiros contornos, infame em tudo quanto dela já sabemos.

Em tudo isso Nossa Senhora refletiria. Mas também se regozijaria em que, por um desígnio d'Ela, sobre esse mar de lama começaria a boiar em certo momento uma pétala de rosa, atraindo os seus filhos fiéis para lutar por Ela em nosso século.

Um exame de consciência e uma prece junto ao presépio

Aos pés do presépio, cada um pode voltar-se para analisar sua história individual: Como caminhou a graça de Deus em sua alma; os altos e baixos, as correspondências e as recusas à graça; os movimentos do orgulho e da sensualidade; a vitória, por vezes a derrota, mas de novo a vitória e a misericórdia de Deus.

Nossa Senhora sabia que alguns cairiam ao longo do caminho; aguardaria a prece dos que permaneceram pelos que caíram; e de vez em quando conseguiria reerguer algum filho para que voltasse ao bom caminho. Isto se passaria através de obscuridades que não conhecemos, até o momento da sua intervenção final e implantação do Reino de Maria, que Ela revelou em Fátima em 1917.

Devemos considerar tudo isso quando estivermos aos pés do presépio, e dizer: Menino Jesus, sois a pedra de divisão, a pedra de escândalo que divide a História ao meio. Tudo que está convosco é a Contra-Revolução, tudo que está contra Vós é a Revolução.*

Podemos elevar uma prece enquanto veneramos o presépio: Aqui está um filho, Senhor Jesus Cristo, trazido pela graça que vossa celeste Mãe, por suas preces, obteve de Vós. Aqui está um filho ajoelhado diante de Vós, antes de tudo para vos agradecer, mas desde já pronto a batalhar por Vós na Contra-Revolução, confiante na vossa Graça.

Agradecimentos ao Redentor que nasceu e morreu por nós


Nossa Senhora observa o Divino Filho meditar na sua Paixão

Cristo e a Virgem na casa de Nazaré – Francisco de Zurbarán (1598–1664). Cleveland Museum of Art, EEUU

Não podemos esquecer os incontáveis agradecimentos que devemos a Deus, e dizer:

Agradeço-vos, ó Jesus, a vida que destes a meu corpo no momento em que insuflastes minha alma.

Agradeço o plano eterno que tínheis a respeito de mim — um plano determinado e individual que, pelos vossos desígnios, deveria eu ocupar lugar no enorme mosaico de criaturas humanas que devem subir ao Céu.

Agradeço-vos por terdes apresentado uma luta em meu caminho, para que eu pudesse tornar-me herói.

Agradeço-vos a força que me concedestes para resistir, combater e rezar — a Dios orando y con el mazo dando (a Deus rezando, e golpeando com o cajado), como dizia Santo Antonio Maria Claret.

Agradeço-vos tudo isso, e também todos os anos de minha vida que já se foram e se tenham passado na vossa graça.

Agradeço-vos os anos que não se passaram em vossa graça, pois Vós os encerrastes em determinado momento com vossa graça, abandonando eu o caminho do pecado para entrar de novo na vossa amizade.

Agradeço-vos, Divino Infante, a hora em que vos procurei. Agradeço-vos tudo o que fiz de árduo para combater meus defeitos. Agradeço-vos por não vos terdes impacientado comigo e por me terdes concedido tempo para corrigi-los até a hora da morte.

E se uma prece vos posso dirigir nesta noite de Natal, Senhor Jesus, é a que se encontra em um salmo: "Não me chameis na metade dos meus dias" (Salmo 101). Transformando-a um pouco, não quero saber quantos serão os meus dias, que talvez já tenham tido uma duração exorbitante, mas altero-a suplicando: "Não me tireis os dias na metade da minha obra". Peço-vos que me ajudeis, para que meus olhos não se fechem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não perca sua força e agilidade antes que eu tenha, por vossa glória, vencido em mim todos os meus defeitos, galgado todas as alturas interiores para as quais fui criado; e que, no vosso campo de batalha, eu tenha prestado a Vós, por feitos heróicos, toda a glória que esperáveis de mim quando me criastes.

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* Revolução é o processo quatro vezes secular que vem desagregando a civilização cristã; Contra-Revolução é o movimento que visa restaurar essa mesma civilização. Ambos os termos são empregados nesta conferência pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira segundo este conceito, por ele exposto em sua obra Revolução e Contra-Revolução.

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